Desde o dia 20 de julho, portanto, está vedada a adoção de ações com base na referida MP e as novas providências sobre o tema devem observar a CLT.
Sem consenso, a Medida Provisória nº 927 não foi votada no Senado a tempo de ser convertida em lei. Publicada em 22 de março com determinações trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública e de emergência em saúde pública decorrentes do novo coronavírus, perdeu sua validade antes mesmo do fim de tais decretos. Desde o dia 20 de julho, portanto, está vedada a adoção de ações com base na referida MP e as novas providências sobre o tema devem observar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e as normas regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalho, o que não implica a invalidação dos atos praticados durante sua vigência. Além disso, a contar da data, o Congresso Nacional tem prazo de 60 dias para editar decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas decorrentes.
“Com a perda da validade da MP 927, é notória a insegurança jurídica e, como a situação é recente, futuras discussões jurídicas e eventuais decisões judiciais indicarão quais serão as reais repercussões”, afirma o coordenador da área de Direito Ambiental e Segurança e Saúde no Trabalho da Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, o advogado Marcus Vinícius Neves Vaz. Para ele, diante de tal cenário e em tempos de incertezas, agir de forma preventiva pode trazer repercussões positivas imediatas e também no pós-pandemia, tais como garantia da continuidade das atividades de forma segura e mitigação de possíveis passivos trabalhistas e previdenciários.
TEMAS
A MP 927, editada no início da pandemia, criava condições para que as empresas negociassem individualmente com os trabalhadores, sem a necessidade de um acordo coletivo e intermediado pelos sindicatos. Entre os temas que abordava, estavam dispensa de exames médicos ocupacionais, dos treinamentos presenciais exigidos pelas normas regulamentadoras de SST e das eleições da CIPA durante o estado de calamidade pública. Versava, ainda, sobre a flexibilização da adoção do teletrabalho e estabelecia que a Auditoria Fiscal do Trabalho atuasse de forma orientadora durante a pandemia.
Com a caducidade da Medida, no que tange o teletrabalho, Marcus Vinícius afirma que a questão deve ser avaliada caso a caso, pois, mesmo que a MP 927 não esteja mais válida, os acordos firmados durante sua vigência podem ser considerados ainda válidos por se tratarem de atos jurídicos perfeitos, ou seja, foram firmados conforme os ditames legais vigentes à época. Assim, segundo ele, pode o empregado continuar em teletrabalho seguindo as diretrizes dos acordos firmados. “Todavia, para mitigar riscos e questionamentos, o ideal é que as empresas já estejam elaborando e firmando novos acordos nesse sentido, só que agora não mais de forma unilateral, como preconizava a Medida”, orienta.
EXAMES
Quanto aos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares que ficaram suspensos durante a vigência da MP 927, a Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) recomenda que a especialidade siga as orientações do Guia do Ministério da Saúde/Anamt (https://bit.ly/3hvDN9c) até que seja publicada orientação da SubSIT (Subsecretaria de Inspeção do Trabalho) sobre o assunto. Tal documento orienta a suspensão desses exames e que sejam feitos no prazo de 60 dias contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Já o presidente do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), Carlos Silva diz que a suspensão prevista na MP não era compatível com a preocupação que se deve ter com a saúde dos trabalhadores. “A exigência dos exames dá mais força à AFT na cobrança de gestão adequada por parte das empresas em relação à saúde e à situação de trabalho de seus empregados. Agora a fiscalização volta a exigir os exames, como anteriormente, principalmente porque o País está sofrendo com a pandemia da Covid-19, em que os riscos de adoecimentos estão acentuados”, afirma.
O advogado Marcus Vinícius acredita que, no caso dos exames médicos, o melhor é seguir de forma preventiva e avaliar junto ao SESMT das empresas qual a melhor alternativa médico-ocupacional. Como exemplo, observa que, embora tenha caráter orientador, o Ofício Circular SEI nº 1088/2020/ME da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, de 27 de março, prevê que, na hipótese de o médico coordenador do PCMSO considerar que a prorrogação do exame representa risco para a saúde do empregado, indicará ao empregador a necessidade de sua realização. “Os casos devem ser avaliados de forma específica, mas, de maneira geral, se o empregador puder retomar a execução de todos os exames vencidos desde já, é melhor. Assim, mitigará questionamentos jurídicos futuros”, acrescenta.
TREINAMENTOS
O advogado observa que o Ofício Circular SEI nº 1088 também trata da questão dos treinamentos periódicos e eventuais previstos pelas NRs. Segundo o texto, durante o estado de calamidade pública, eles ficam suspensos e devem ser feitos no prazo de 90 dias contados da data de encerramento. O documento ainda registra que, durante o estado de calamidade pública, todos os treinamentos previstos nas NRs, incluindo os admissionais, podem ser feitos na modalidade ensino à distância, cabendo ao empregador observar os conteúdos práticos de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.
“Mais uma vez, entendo que o SESMT tem papel fundamental no tocante aos treinamentos e, se possível, devem ser retomados o quanto antes”, afirma Marcus Vinícius. Segundo ele, a questão é sobremaneira importante, seja para a garantia da segurança dos trabalhadores, seja para segurança jurídica da empresa. “A título de exemplo, caso ocorra um acidente na empresa, como lesão grave ou fatal, um dos pontos a serem investigados fatalmente será a capacitação do trabalhador. Nessa hipótese, entre discutir se o treinamento estava suspenso ou não por causa da pandemia, entendo ser melhor aplicá-lo, especialmente nas atividades de maior risco”, opina.
O presidente do Sinait também vê com bons olhos a queda da flexibilidade de algumas formas de trabalho remoto, seja teletrabalho, home office, trabalho externo. “O fato é que a MP 927 ampliava de maneira exagerada o permissivo para que os trabalhadores se colocassem em uma das modalidades do trabalho remoto. A queda da MP restabelece melhores condições para que as empresas façam adequadamente a gestão que os trabalhadores precisam diante dos riscos com que estão lidando no dia a dia”, acredita.
CIPA
Em relação às eleições das CIPAs, cujos processos eleitorais também ficaram suspensos durante a vigência da MP 927, o advogado Marcus Vinícius novamente cita o Ofício Circular nº 1088. Conforme o documento, as comissões existentes poderão ser mantidas até o fim do período de estado de calamidade pública, podendo ser suspensos os processos eleitorais em curso.
Contudo, a possibilidade de retomada do processo normal de renovação e funcionamento das atividades da CIPA é bem-vinda para o presidente do Sinait. “A CIPA é uma Comissão fundamental para que, de maneira independente e no exercício de um mandato, os trabalhadores colaborem, identificando medidas irregulares que precisam de ajustes”, destaca.
FISCALIZAÇÃO
Em relação à fiscalização na área de SST, Carlos afirma que a caducidade da MP 927 recupera algumas proteções legais e regulamentares necessárias para que a Auditoria Fiscal do Trabalho, na sua atuação, viabilize um ambiente com menores riscos para os trabalhadores. “A MP era permissiva acerca de bancos de horas negativos e autorizava a profissionais de saúde jornadas de trabalho superiores a 12 horas em um dia. Com a caducidade, nenhuma dessas práticas poderá prosseguir, lembrando que jornadas excessivas estão entre as maiores causas de ocorrência de acidentes de trabalho, além de favorecerem riscos de contaminação em função do cansaço do profissional nos ambientes de trabalho”, avalia.
Fonte:
Por Martina Wartchow/Jornalista da Revista Proteção