A ergonomia impacta diretamente não só a saúde física, mas também a saúde mental das pessoas.
Na prática da Ergonomia, alguns conceitos são fundamentais para guiar a boa conduta. Eles nos permitem raciocinar visando a solução diante de uma questão ergonômica. Também são perenes porque, embora a Ergonomia sempre tenha uma dimensão histórica dinâmica, o ser humano, que é a nossa base, continua sendo o mesmo em sua essência.
Assim sendo, vamos lá:
1 Ergonomia é a adaptação do trabalho ao ser humano, visando a boa produtividade, com conforto e segurança.
Mas a que ser humano nos referimos? Referimo-nos ao Homo sapiens, mas que também tem algumas características biomecânicas importantes (ereto, simétrico e muscularmente fraco), algumas características mentais (valvulado – “custa a pegar”, “não é transistorizado”, pensante, monotask, de péssima memó-ria e que tem a melhor performance quando a relação entre as exigências do trabalho e sua estrutura psicoló-gica se situa em torno de 1,0) e que tem ainda algumas características psicológicas interessantes (flexível, resiliente e dotado de uma motiva-ção pendular – oscila entre arroubos de alta motivação com períodos de baixíssima motivação) e uma característica preocupante: é também deformável. Nesse ponto podendo-se contar pouco com ele para projetos construtivos. É para pensar a seguinte frase, que não é de minha autoria: “O trabalhador é o que a sua empresa faz dele”.
2 A Ergonomia é dinâmica em suas atuações. Na década de 1950, quando a ergonomia começou, a preocupação maior era com as lombalgias graves; depois, na década de 1960, era com a cadeira e o mobiliário de escritórios; na década de 1970, a preocupação era com o impacto dos robôs e máquinas CNC; em 1990, com o uso intensivo de computadores; na virada do milênio, a grande preocupação era com a tecnologia gerencial JIT (just in time) e com a manufatura lean. De 2010 para cá, veio o impacto das Tecnologias 4.0 e o questionamento das condições de trabalho daqueles contratados pelas plataformas de serviço (fenômeno conhecido como “uberização”). Nessa visão dinâmica, cabe ao profissional da Ergonomia entender o momento presente dos meios de produção, verificar de forma objetiva os eventuais impactos negativos sobre o trabalhador e ajudar a organização na busca de soluções que viabilizem as novas tecnologias sem comprometer o conforto e a segurança.
3 O iceberg da questão ergonômica pode ser assim descrito: o aspecto ergonômico de uma empresa não se restringe aos casos de afastamentos médicos, aos remanejamentos e às queixas osteomusculares dos trabalhadores.
Há um grande contingente de trabalhadores que exerce suas atividades sentindo dor sem se afastar; há um grande número de atos inadequados dos trabalhadores com risco de acidentes, por não terem outra condição para trabalhar. Assim como há problemas de qualidade no produto ou serviço pela má condição de ergonomia, há alta ocorrência de fadiga excessiva em decorrência das condições de trabalho, há situações de dificuldade importante e permanente para se realizar a atividade e há ainda um contingente de situações de trabalho causadoras de desconforto importante e permanente. Para se ter uma ação eficaz em ergonomia, é necessário, além de abordar as questões que causam afastamento, também descobrir e abordar as questões “invisíveis” do iceberg.
4 Como conseguir identificar as situações citadas no item anterior? Instituindo o Censo de Ergonomia, atrelado à revisão médica periódica.
Nessa ocasião, o profissional de Ergonomia preparado (enfermeiro, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, profissional de educação física) faz uma breve entrevista com o trabalhador, com quatro perguntas: Você tem no seu trabalho alguma atividade causadora de DDFDD (desconforto, dificuldade, fadiga, dolorimento ou dor?) Se sim, qual é a atividade? Em que parte do corpo? Qual é sua sugestão para corrigir? Existe alguma atividade que, para executar, você fica em risco de acidente? O detalhamento dessas situações, inclusive vendo-as em campo, fornece excelente material para a correção e melhoria das condições de trabalho, antes de lesões e afastamentos.
5 A hierarquia das medidas a serem instituídas na melhoria das condições de trabalho dá objetividade na correção.
Diante de uma atividade com exigência ergonômica, primeiro devese pensar em eliminá-la; em segundo lugar, deve-se buscar adotar melhorias de baixo investimento; depois, deve-se pensar em replicar soluções já conhecidas. Deve-se, então, buscar soluções de engenharia para as questões ergonômicas mais complexas. O quinto tipo de medida é a solução de questões de organização do trabalho que estejam causando a sobrecarga. Quando for o caso, é necessário orientar o trabalhador para práticas corretas e cobrar essas atitudes.
A preparação do indivíduo para o trabalho é um item fundamental, tanto no que se refere às demandas cognitivas quanto às demandas físicas da tarefa. O enriquecimento do trabalho, o alongamento dos ciclos ou mesmo o rodízio nas tarefas (job rotation) podem diminuir o impacto das sobrecargas físicas e mentais. Algumas vezes, diante da impossibilidade das medidas anteriores, a solução é adotar tempos de recuperação de fadiga (relief breaks) e, em último caso, pode ser necessário buscar uma pessoa com características físicas, antropométricas ou de habilidades mais compatíveis com as tarefas.
6 Esse conjunto de medidas pode ser sumarizado na seguinte frase: “a ação ergonômica é a junção de medidas de engenharia e de gestão”. Saber indicar qual é qual em cada instante é papel do profissional de Ergonomia competente. Recomendar rodízio nas tarefas e tempos de recuperação de fadiga para tudo costuma ser um indicativo de preguiça mental.
7 Os degraus da ação ergonômica são outro ponto importante: muitas vezes, temos que dar atenção prioritária às condições primitivas, que trazem dor e sofrimento para os trabalhadores.
Podem ser esforços intensos ou cadeiras muito ruins. Temos que transformá-las em “postos de trabalho”. Essa simples mudança já reduzirá muito as queixas no ambulatório da empresa. A seguir, temos que atuar na melhoria do ambiente de trabalho, reduzindo o calor excessivo, o ruído, a vibração e melhorando a iluminação.
Depois, trabalhamos sobre o método de trabalho, abordando a questão da ferramenta mais adequada e de tempos corretos. Nesse item, tem se que tomar cuidado especial em eliminar as situações do método SV (“se vira”), que é uma causa importante de acidentes do trabalho. Indo mais para o topo das medidas, tem-se que trabalhar nas questões de organização do trabalho. Já nos degraus superiores, que caracterizam ação ergonômica muito eficaz, passa-se a analisar a Ergonomia na fase de projeto. E, o ideal mesmo, é que também possamos influenciar na macroergonomia, abordando condições que não dependem só daquela organização, mas de um sistema de fornecimento de peças e equipamentos que já venham em boas condições.
Fonte: Revista Proteção
*Por Hudson de Araújo Couto