24/05/2021

Reflexos da pandemia serão substanciais e exigirão readequação dos profissionais de SST

Quase duzentas empresas brasileiras participaram da pesquisa e juntas empregavam mais de 720 mil trabalhadores.

Pesquisa realizada por “Willis Towers Watson” em meados de 2020 aborda os impactos nos negócios e benefícios decorrentes da pandemia de Covid-19. Embora admitamos que, em quase todas as situações que enfrentamos, aprendizados sejam possíveis, a herança dessa terrível fase é assustadora. E, frise-se, não estávamos na ocasião da pesquisa em situação tão difícil como nos encontramos nesse primeiro semestre de 2021.

Quase duzentas empresas brasileiras participaram desse processo e juntas empregavam mais de 720 mil trabalhadores. A representatividade da pesquisa é ainda atestada pelos setores econômicos abrangidos: Manufatura, Energia & Serviços, Saúde, TI & Telecom, Financeira, Atacado e Varejo, Setor Público e Educação. Enfim uma abordagem ampla que nos permite extrapolar seus resultados para a economia do Brasil como um todo.

Na ocasião, a maioria das empresas, em torno de 60%, esperava ter impactos de moderados a grandes nas suas atividades nos seis meses vindouros e também a maior parte delas havia tomado medidas de contenção de riscos, como: congelamento de contratações, suspensão do trabalho presencial, antecipação de aposentadorias e licenças, a par de ações de proteção em relação aos seus empregados, como: semana de trabalho reduzida, home office, alternância de equipes de trabalho etc.

Ademais, 100% das organizações informaram terem congelado ou reduzido salários e adiado aumentos por mérito para tentar equilibrar o jogo com o mínimo de impactos mais graves, como demissões.

Dentre as ações para tentar voltar à “normalidade”, a melhora no oferecimento de serviços de saúde mental ocupou o topo dos benefícios que as empresas pretendiam oferecer, o que evidenciava previsão de que as pessoas precisarão ser fortemente amparadas quando de seu retorno ao trabalho, nos moldes como executado antes da pandemia. Na ocasião da pesquisa, elas acreditavam que seus empregados precisariam estar mais bem preparados e resilientes, inclusive adequadamente aparelhados para o autogerenciamento do estresse. Resultado de ações como a acima mencionada e de outras relacionadas com a pandemia, a maior parte das empresas esperava ter aumentos em seus custos com os benefícios relacionados à saúde de seus empregados e já estavam realizando estudos para obter as devidas precificações a eles associadas.
 

IMPACTOS

No que se refere aos impactos nos negócios, um terço das empresas participantes não tinha certeza do que esperar no período de seis a 24 meses pós-pandemia. Elas procuravam se preparar para restrições consideráveis no faturamento e, portanto, em sua produção.

Na outra ponta, a dos empregados, 30% deles tiveram que suspender suas contribuições voluntárias a planos de complementação de aposentaria ou estavam prestes a fazê-lo. Em tempos de possíveis diminuições salariais, em que não há sobra no orçamento, reservas para o futuro são as primeiras a serem afetadas. Associada à queda dos rendimentos de tais planos devido às incertezas econômicas globais, essa é mais uma das grandes preocupações com as quais as pessoas terão que aprender a conviver.

Em seu dia a dia, cortes no orçamento foram necessários e o foco de gastos concentrou-se no que é básico. Evidentemente, medidas de afastamento social, como a proibição de aglomerações e festas, restrição ao funcionamento normal de restaurantes e escolas, dentre outras, acabaram por auxiliar as pessoas nesse redirecionamento orçamentário.

Resumindo, frente a essa tragédia que se abateu sobre todo o mundo, empresas e empregados tiveram que rapidamente revisar seus planejamentos e gerenciar os novos riscos que abruptamente acabaram sendo trazidos pela Covid-19. E, novamente aqui quero enfatizar, o quadro descrito foi resultado de pesquisa realizada antes da situação muito mais grave que enfrentamos nesses primeiros meses de 2021.

Pois bem, à luz do que foi apresentado, acredito que a pergunta que todos nós que atuamos em Higiene Ocupacional, Segurança e Saúde do Trabalho queremos ver respondida é: quais os impactos que todo esse cenário terá em relação à prevenção de agravos à segurança e saúde dos trabalhadores em seus locais de trabalho? Sem querer ser o “dono da verdade”, muito menos o “profeta do apocalipse”, acredito que os impactos serão substanciais e seus efeitos, infelizmente, mais duradouros do que todos desejaríamos.
 

INTROSPECÇÃO

Sabemos que a avaliação do risco é passo primordial para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho e que ela não prescinde de atividades dos profissionais capacitados para exercê-la que, sem dúvida, precisam estar nos ambientes de trabalho para poderem colher as informações necessárias à sua competente realização.

Voltando à pesquisa da “Willis Towers Watson”, várias empresas mencionaram, e com razão, uma série de restrições que adotariam, a partir do momento em que a pandemia de Covid-19 estivesse sob controle, em relação ao retorno das atividades “normais” de seus empregados. Dentre elas, grande preocupação foi mencionada a respeito de viagens que os exporiam a riscos de forma geral. Ou seja, uma das heranças dessa fase provavelmente será a maior “introspecção” das organizações. Plataformas de comunicação à distância, com as quais obrigatoriamente passamos a ter contato íntimo nesses tempos, permitem que mesmo após esse período atípico de afastamento das pessoas, os contatos presenciais continuem a ser menos frequentes do que no passado.

Podemos inferir que a adoção de tais ações também venha a afetar as atividades de consultores externos. Antes responsáveis por uma série de trabalhos desenvolvidos, com o objetivo de subsidiar decisões das empresas, sobre medidas a serem tomadas relativas a riscos identificados e não toleráveis, associados aos ambientes de trabalho, tais profissionais poderão ter dificuldades em atuar em campo.
 

NOVO CENÁRIO

Evidentemente as empresas, ciosas de suas responsabilidades relativas à proteção da integridade física e da saúde de seus empregados, não deverão deixar de lado atividades capazes de diagnosticar com a devida qualidade as ações imprescindíveis a serem tomadas visando à higidez de seus ambientes de trabalho. Até mesmo porque uma boa parte delas tem a compreensão já estabelecida de que acidentes e doenças trazem impactos negativos relevantes aos seus objetivos. Os já famosos FAP (Fator Acidentário de Prevenção), NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) e RAT (Riscos Ambientais do Trabalho) estão aí para não deixar as empresas se esquecerem de custos diretos que têm que arcar e que são associados a acidentes e doenças que acometem seus empregados. A par disso, a responsabilidade social das organizações é item cada vez mais exigido por parte da sociedade que vem penalizando empresas que dela se descuidam.

Ou seja, ao menos por algum tempo, trabalharemos em um novo cenário desafiador e que exigirá de todos nós capacidades e habilidades que resultem em atitudes que viabilizem a continuidade de nosso trabalho nesse “novo mundo” empresarial.

Quero deixar claro que não se pretende passar visão pessimista sobre o futuro próximo, mas sim enfatizar aos colegas que, como eu, atuam nessa importante área que contribui com a segurança e saúde dos trabalhadores, que também nós devemos nos reinventar. Esse será um passo primordial para continuarmos aptos a auxiliar as organizações na busca de propiciar ambientes e processos de trabalho adequados que permitam que seus objetivos sejam atingidos sem que, paralelamente, acidentes e doenças venham a ocorrer.

Fonte: Revista Proteção