06/08/2021

Cobrança retroativa do RAT para aposentadoria especial gera questionamentos

O objetivo é estabelecer parâmetros para o reconhecimento de tempo especial pelo INSS.

Por Paula Barcellos/Jornalista da Revista Proteção

Recentemente, algumas empresas passaram a recorrer na Justiça contra cobranças retroativas referentes ao adicional da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) para fins de aposentadoria especial. Em 2015, em uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), os ministros entenderam que se a empresa fornece EPI eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço e, nesse caso, os contribuintes estarão livres do adicional. Uma exceção foi aberta, porém, aos casos de funcionários expostos ao ruído, conforme o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664.335.

No entanto, em 2019, a Receita Federal expediu o Ato Declaratório Interpretativo (RFB) nº 2 que afirmava em seu artigo 1 que ainda que houvesse a adoção de medidas de proteção coletiva e individual que neutralizassem ou reduzissem o grau de exposição do trabalhador em níveis legais de tolerância, a contribuição adicional para custeio da aposentadoria especial é devida nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial. Com isto, a Receita Federal passou a cobrar então, inclusive de forma retroativa, os contribuintes, o que gerou ações das empresas e com alguns precedentes favoráveis.

Para o médico do Trabalho, especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, João Baptista Opitz Neto, esta cobrança retroativa não deveria ocorrer quando a empresa possui avaliação técnica comprovando o que está fazendo e agiu de acordo com a legislação vigente à época. “Decisão judicial posterior, ampliando conceitos trazidos na legislação não poderia ensejar cobranças ou multas para as empresas. Até porque, a própria administração pública tinha o mesmo entendimento que a empresa e negou o reconhecimento do tempo especial, já que a concessão foi judicial. Claro que se a empresa colocou uma informação errada no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) ou não possui laudo técnico que embase sua decisão de não recolher o tributo, deve ser responsabilizada por isso. Complicado é a empresa ser autuada por uma decisão judicial que sequer participou do processo”, diz.

COMPROVAÇÃO
Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anunciou que vai discutir sob o rito dos recursos repetitivos a comprovação da eficácia dos EPIs para a neutralização de agentes nocivos à saúde dos trabalhadores. O objetivo é estabelecer parâmetros para o reconhecimento de tempo especial pelo INSS. “A avaliação deste tema pelo STJ é fundamental, pois existe grande celeuma sobre as questões processualistas, gerando insegurança jurídica a todos os envolvidos. As empresas precisam estar atentas a essa decisão, pois, dependendo do que o STJ decidir, a comprovação de eficácia dos EPIs para a neutralização dos agentes nocivos poderá ser atribuída ao INSS. Com isso, a autarquia poderá aumentar as exigências em relação ao preenchimento do PPP para as empresas e solicitação de documentos técnicos. A definição de ônus de prova, parte deste tema submetido ao STJ, poderá ter repercussões importantes para as empresas. Não é uma repercussão direta. É uma repercussão indireta que eu vejo como possível”, diz Opitz.

Segundo o especialista, esta decisão, se concretizada, trará benefícios aos trabalhadores. “Muitas concessões de aposentadoria especial são negadas em razão da neutralização do agente nocivo pelo uso de EPIs. Esse tema já foi apreciado pelo STF que entendeu pela eficácia dos EPIs, exceto no caso do ruído. Temos também uma recente alteração na redação do Decreto 3048/99, dada pelo Decreto 10.410/20, tratando desse tema. Entendo que a inversão do ônus da prova, se aplicado, irá beneficiar os segurados, pois caberá ao INSS provar que o EPI é realmente eficaz para a neutralização do agente nocivo”, reflete. Opitz afirma que esta discussão sobre eficácia dos EPIs não vem de agora, principalmente em relação a alguns agentes como os biológicos.

“ENTENDO QUE O MAIOR PROBLEMA QUE ENFRENTAMOS É O GRAU DE INTERPRETAÇÃO DE TODO ESSE TEMA, A INSEGURANÇA JURÍDICA É ENORME. TRATANDO DAS EMPRESAS, EM ESPECÍFICO, ELAS NÃO PARTICIPAM DIRETAMENTE DESTA DISCUSSÃO MAS ACABAM PAGANDO A CONTA, POIS SABEMOS QUE EXISTE RECOLHIMENTO ESPECÍFICO PARA FINANCIAMENTO DA APOSENTADORIA ESPECIAL”.

Tal decisão também poderá refletir sobre a atual cobrança feita pela Receita Federal, conforme o especialista. “Considerando que a concessão da aposentadoria especial poderá aumentar, pois o INSS poderá não ter condições de provar a eficácia dos EPIs com a inversão do ônus da prova, a Receita Federal poderá aumentar e intensificar suas ações para cobrar das empresas esse financiamento”.