10/11/2021

A questão da vacinação contra Covid-19 e o trabalho requer cautela

A vacinação contra a Covid-19 e sua relação com os ambientes de trabalho segue gerando discussões.

O motivo mais recente é a Portaria nº 620 do Ministério do Trabalho e Previdência publicada em 1º de novembro em edição extra do Diário Oficial da União. O texto determina que as empresas não podem exigir comprovante de vacinação contra a Covid-19 na hora de contratar empregados e nem podem demitir por justa-causa quem não comprovar a vacinação.

O texto da portaria afirma que estas são práticas discriminatórias, que os empregadores estão proibidos de adotar e que podem ser equiparadas a outras previstas na Constituição como discriminação por sexo, raça, cor, idade, deficiência etc. O mesmo texto estabelece ainda punições para as empresas que descumprirem a determinação, como reintegração do trabalhador demitido com ressarcimento integral do salário pelo período em que ele ficou afastado, pagamento em dobro da remuneração, além de direito do empregado a buscar reparação na Justiça por dano moral.

No entanto, a portaria diz que se a empresa oferecer a testagem periódica de Covid-19 os empregados ficam obrigados a ela, exceto se apresentarem o cartão de vacinação. Outra determinação prevista é que o empregador estabeleça e divulgue orientações sobre as medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 nos ambientes de trabalho e acrescenta que “as empresas poderão estabelecer políticas de incentivo à vacinação de seus trabalhadores”.
CONFLITO

O assunto é polêmico. Tanto que a Rede Sustentabilidade ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ação contra a portaria do MTP. Na ADPF 898 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), o partido pede que o Supremo declare a incompatibilidade da portaria com preceitos fundamentais da Constituição Federal. Especialistas ainda criticam que portarias não podem restringir nem criar direitos, mas apenas regulamentar o que a lei prevê. E que não haveria lei sobre o assunto.

No entendimento do especialista em Medicina do Trabalho, Medicina Legal e Perícia Médica João Baptista Opitz Neto há antes de tudo um conflito de princípios constitucionais, com o interesse individual e o interesse coletivo sendo colocados em lados opostos. Ele concorda que portarias não podem restringir e nem criar direitos, apenas regulamentar o que a lei prevê. Mas não concorda que não exista lei sobre vacinação da Covid-19, lembrando da Lei 13.979/2020, do ano passado, que estabelece medidas de enfrentamento à doença. Porém, lembra também que o artigo 3º inciso III alínea “d” desta mesma lei afirma que pode ser determinada a vacinação compulsória como medida de enfrentamento à Covid-19. “Fato é que a decisão do STF terá que avaliar estas questões e pacificar o tema, pois o pior cenário que podemos ter é de insegurança jurídica”, lamenta o médico.
ORIENTAÇÃO

A controvérsia vem gerando dúvidas por parte das empresas e profissionais da área de SST. Segundo o Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da Covid-19, divulgado no início deste ano, por exemplo, compete ao empregador adotar a vacinação como medida coletiva de prevenção devendo prevê-la no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) da empresa. Já o especialista Opitz Neto entende que não precisa estar obrigatoriamente no PCMSO, mas deve fazer parte das ações de saúde da empresa. “A empresa poderia ter algum programa específico de vacinação, integrado ao seu PCMSO, que exigisse tal procedimento. Mas com certeza teria que fazer referência ao mesmo em algum documento técnico da empresa”, opina.

Diante do cenário atual o recomendado é que empresas e serviços médicos ocupacionais tenham cautela sobre a questão da vacinação dos trabalhadores. Para Opitz Neto, o diálogo é a melhor saída. Para ele, a demissão por justa causa seria uma medida radical não recomendada neste momento. “Uma boa conversa, franca e transparente sobre as vantagens e os riscos da vacinação continua sendo o melhor caminho a ser seguido. Antes de imposição devemos tratar com conscientização”, sugere.

Do ponto de vista legal, ele refere que não realizaria a demissão por justa causa, pois entende que há insegurança jurídica para uma decisão sobre o tema por parte das empresas. “Não sabemos qual será a decisão do STF. Analisando as mais recentes, acredito que irá declarar a inconstitucionalidade da portaria do Ministério do Trabalho e Previdência, porém, não é possível termos certeza. A melhor atitude agora é aguardar o desfecho”, opina o especialista que é também advogado.
OPINIÕES DIVERGENTES

    A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) reiterou a importância do passaporte vacinal no Boletim do Observatório Covid-19 divulgado em 29 de outubro e recomendou a exigência da imunização nos ambientes de trabalho. Para ela os benefícios da proteção coletiva não são só aos trabalhadores, mas para suas famílias, crianças, colegas de trabalho e comunidade.

    O MPT publicou em janeiro deste ano o Guia Técnico Interno do MPT sobre a Vacinação da Covid-19 (https://bit.ly/3GU9Gpk), afirmando que a vacinação é direito/dever de empregadores e empregados em atenção ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.

    O STF firmou entendimento em dezembro de 2020 que a vacinação contra a Covid-19 é obrigatória e também que estados, Distrito Federal e municípios têm autonomia para estabelecer regras para a imunização. No entanto, referiu que isto “não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, às quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência a determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”.

Em julho deste ano, o TRT-SP confirmou a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de um hospital que não quis se vacinar contra a Covid-19. Ela foi demitida, entrou na justiça e perdeu a ação. Depois a funcionária recorreu e perdeu novamente.

 

Fonte: Revista Proteção