23/02/2022

Banalização de riscos deve ser combatida nas empresas

O especialista Cosmo Palasio, a normalização do risco é um problema social amplo e que não se refere apenas ao mundo industrial.

Normalização, banalização. Em se tratando de riscos nos ambientes de trabalho, essas expressões devem ser combatidas com medidas prevencionistas, conscientização do trabalhador e comprometimento da alta direção. Estimativas dão conta que 90% dos acidentes automotivos acontecem por erro humano. Na indústria, seja por conta da falta de atenção às proteções coletivas, desobediência no uso de EPIs ou ao excesso de confiança nas próprias habilidades, não é diferente. Somam-se a isso máquinas e equipamentos antigos que apresentam falhas, mas cuja troca ou manutenção são negligenciadas, levando-se ao fenômeno de “normalização de riscos”.

O fenômeno ocorre quando não é possível desempenhar determinado processo da forma mais segura e adequada por conta de um problema pré-existente, fazendo com que os operadores se acostumem com o erro e com o risco – porque, afinal, ainda é possível cumprir a tarefa – e não reportem o problema à chefia ou, quando notificam, a gerência ignora a falha com o pretexto de que aquilo “sempre funcionou assim”. Trata-se de um comportamento perigoso que pode gerar riscos à segurança e saúde do trabalhador.

Estellito Rangel Junior, engenheiro consultor nas áreas de segurança em eletricidade e prevenção de explosões industriais, avalia que tem havido uma colocação errada para a expressão “normalização do risco”, uma vez que a palavra “normalização” está associada a procedimentos, a processos devidamente mapeados. Para ele, a expressão mais adequada seria “banalização do risco”, ou dentro do contexto da realidade política brasileira atual, a “negação do risco”.

 

Cultura da empresa

Conforme ele, a negação do risco se instala na cultura da empresa, ou seja, em empresas sem investimento na capacitação dos empregados e onde os proprietários os consideram como algo descartável porque há uma fila na porta de interessados a ocupar a vaga dos “reclamões”, com isso o caminho para a precarização da segurança no trabalho está devidamente pavimentado. “Já em empresas onde o treinamento é uma prioridade, não há a negação do risco, mas a conscientização para o mesmo”, afirma.

Um exemplo é o aviso de “não fumar”. Segundo Estellito, de vez em quando um trabalhador distraído fuma escondido nessa área e depois comenta com colegas que “não aconteceu nada”. Ele observa que a proibição de fumar é justamente para evitar explosões quando houver liberação de gases inflamáveis, o que não se dá com “hora marcada”, ou seja, pode ocorrer a qualquer instante, e assim, o risco existe – apesar de uma liberação de gás inflamável não ter se manifestado quando aquele trabalhador foi fumar lá. “Se a empresa não tiver como prioridade um programa de gestão de riscos, com treinamentos de reciclagem, a `negação do risco´ prosperará”, atenta.

Na opinião de Cosmo Palasio, consultor em SST e diretor do Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho no Estado de São Paulo (Sintesp), a normalização do risco é um problema social amplo e que não se refere apenas ao mundo industrial. O especialista diz que nossa cultura nos faz ver o errado como certo, o perigoso como o bom, entre outros exemplos. “Dentro das empresas não é diferente”, aponta e adverte: “nem poderia ser, não existe um ser humano com interruptor de comportamento que se possa ligar ou desligar na porta, por exemplo, de uma fábrica. Muitos acham que pode mudar isso lidando apenas com os trabalhadores sem mexer nas condições, mas é uma das maiores utopias que conheço nos ambientes de trabalho”.

Então, conforme Cosmo, essa cultura faz com que conviver com a situação seja a condição real, até que um dia algo ocorra. “Há de tudo e muito dentro dessa realidade e o pior, talvez, seja de uma forma mais moderna, culpar o operador por algo que ocorre fora da sua capacidade – porque o trabalho foi mal planejado, porque não existiam condições mínimas para realizar, além de outras situações que aparecem no dia a dia do chão de fábrica e a incidência da falha humana”, considera.

 

Treinamento e reciclagem

Para os profissionais que atuam nessas atividades, Estellito Rangel Junior cita que a primeira recomendação é sobre o treinamento de reciclagem, estruturada em um programa que abranja os riscos específicos presentes nas operações dos equipamentos existentes naquela empresa. A segunda recomendação, conforme Estellito, é a implantação de um programa de sinalização, que efetivamente informe ao trabalhador os riscos existentes na área e como ele deve se portar na mesma.

“Este modelo tem todas as informações necessárias ao trabalhador em áreas classificadas: o triângulo de fundo amarelo como alerta; as letras Ex, que significam atmosfera potencialmente explosiva; o grupo do gás possível de aparecer naquele local; a zona que a região foi classificada; a classe de temperatura, que indica a máxima temperatura de superfície que um equipamento pode chegar para funcionar de forma segura na região; e o número do desenho de classificação da região, onde o trabalhador poderá obter mais detalhes, se necessário”, explica.

Cosmo diz àqueles que insistem em trabalhar com a realidade que procurem entender as coisas além das Normas. “NR não é feita para criar padrão definitivo e, sim, o mínimo, para qualquer coisa que seja. Portanto, procurem se aprofundar tanto no que diz respeito à segurança de máquinas e equipamentos quanto nas questões de comportamento e treinamento de pessoas. Procurem compreender a realidade das circunstâncias e colocá-las na ordem lógica que possa ser aplicada – exemplo disso são máquinas e equipamentos com dispositivos de segurança que impedem a operação e por isso são burlados – faz parte da análise ir mais além”, aconselha.

 

Fonte: Revista Cipa