26/08/2022

Entrevista – Salto para o futuro – Ed. 368

Psicóloga e educadora aposta em novos processos de aprendizagem para transformar a saúde e segurança nas empresas.

Entrevista à jornalista Daniela Bossle

Desde os tempos da graduação, a psicóloga do Trabalho Juliana Zilli Bley, 45, já gostava da psicologia aplicada às organizações. Porém, não se via trabalhando com Recursos Humanos do modo tradicional. Procurava novas abordagens que abrangessem uma atuação diferenciada junto às empresas, especialmente no desenvolvimento de pessoas de uma forma mais completa. No mestrado ajustou seu foco para Processos Organizacionais, Trabalho e Aprendizagem, que depois resultou no livro “Comportamento Seguro – Psicologia da Segurança no Trabalho e a Educação para a Prevenção de Doenças e Acidentes”. Nesta época ela atuava já em consultoria na área junto a outros colegas de profissão.

Mais tarde trilhou seu próprio caminho como consultora independente, palestrante, educadora e hoje é referência em fatores humanos associados à saúde e segurança e também em inovação em práticas de educação e desenvolvimento humano. Com formações complementares em metodologias de aprendizagem para adultos, psicoterapia sistêmica, práticas de diálogo, gestão de mudança entre outras, Juliana dedica-se a projetos especiais no campo organizacional e um deles é o Safety Lab, uma formação para profissionais de saúde e segurança e líderes com o objetivo de potencializar a educação de adultos no campo da SST.

A psicóloga, natural e residente em Curitiba/PR, concedeu esta entrevista à Proteção em julho enquanto passava férias com a família na Califórnia/EUA.

Há 20 anos você estuda sobre psicologia aplicada à segurança. Após a graduação você escreveu o livro Comportamento Seguro. Fale um pouco da sua trajetória.

Não tinha quase nada em português na época em psicologia aplicada à segurança. Lembro de um livro só, que era o livro do Dela Coleta, de 1991. Já na área de saúde do trabalhador tinha bastante coisa. Ainda na faculdade comecei a escrever artigos a respeito e depois consegui aplicar o tema na minha dissertação de mestrado que tratou sobre treinamento, psicologia e Segurança no Trabalho, e que depois deu origem ao meu livro ‘Comportamento Seguro’. A principal questão da minha pesquisa de mestrado foi que todos os autores da psicologia aplicada à segurança que eu estudava tinham conceitos de comportamento de risco. Eles não tinham conceitos de comportamento seguro. E como educadora isso não fazia sentido para mim porque se eu vou ensinar você a fazer um ovo frito, não posso ter um protocolo sobre como não fazer um ovo frito. Enquanto fazia o mestrado, já trabalhava na Petrobras e em várias outras empresas. Dava treinamentos, desenvolvia líderes, trabalhava com algumas ferramentas de segurança comportamental da primeira geração, que começavam a ganhar muita força no Brasil. Então calhou de eu estar entre quatro psicólogos interessados em aspectos humanos em SST e montando uma consultoria num momento em que isso começou a crescer enlouquecidamente no país, principalmente devido às metodologias de mudança cultural que as consultorias estrangeiras estavam trazendo pro Brasil. Começamos a ser convidados pelas empresas para contribuir com a parte psicológica e de desenvolvimento de competências nestes projetos de transformação de cultura de segurança que estavam ganhando tração. A questão é que quando a metodologia vem num pacote fechado, aplicá-lo na Petrobras é diferente de aplicá-lo na Gerdau, que por sua vez é diferente de aplicá-lo na Votorantim e assim por diante. E este refinamento do trabalho com as pessoas nem todas as consultorias faziam. Acabamos envolvidos nos projetos de transformação cultural destas empresas, convivemos dentro delas com as grandes consultorias, sempre reforçando a dimensão psicossocial, relacional, da comunicação, da cultura local, das estratégias de influenciar pessoas de forma a gerar engajamento. A gente também fazia diagnósticos, tínhamos algumas ferramentas. Mas na prática, a gente ajudava os engenheiros de segurança a lidarem com gente. E este é o meu trabalho até hoje.
 

Você entrou na Segurança do Trabalho para ajudar os profissionais a serem mais eficazes?

Sim, eu entrei por aí. Rapidamente ficou claro que o meu caminho era o caminho da aprendizagem. Existem várias possibilidades de conectar a psicologia com a segurança. Já trabalhei com quase todas elas, mas permaneço fiel à dimensão educacional do processo. Boa parte do que o técnico de segurança faz em sua rotina é educar. Boa parte do que o engenheiro de segurança faz também é educar direta ou indiretamente. Ou ele faz na sala de aula ou está comprando um treinamento. Um gerente de segurança que vai comprar um treinamento e escolher entre a consultoria A, B ou C, já está interferindo no processo educativo daquelas pessoas. Gerenciar processos educativos, o que as empresas chamam de learning, também é parte do trabalho dos profissionais de segurança e saúde, mas quase não se trabalha no preparo desses profissionais para que eles façam isso bem. Tanto no curso de formação do técnico quanto do engenheiro, a parte didática é muito pobre, é absolutamente insuficiente e defasada. As universidades têm a disciplina de Psicologia Aplicada ao Trabalho, e colocam, por exemplo, um psicólogo clínico para dar aula, alguém que nunca entrou numa empresa. E aí o profissional depois entra numa sala de aula e faz o que? Ele vai dar uma integração de segurança e fala o que? Como escolhe o conteúdo? Como escolhe as dinâmicas que vai usar? Como ele sabe se os trabalhadores aprenderam alguma coisa para poder entrar lá na indústria e se comportar de acordo com os riscos presentes? Ele não sabe, não faz ideia de como fazer isso. Então esta formação insuficiente na dimensão da aprendizagem na área de segurança tem consequências práticas importantes para a gestão de pessoas. A parte educacional do universo de saúde e segurança nas empresas é de modo geral muito antiquada, tradicional demais.