02/06/2023

Intervenções ergonômicas para trabalho em postura sentada: revisão integrativa

A postura sentada é uma das mais adotadas nos ambientes de trabalho e pode contribuir na sobrecarga do sistema musculoesquelético.

A postura sentada é uma das mais adotadas nos ambientes de trabalho e pode contribuir na sobrecarga do sistema musculoesquelético. A ergonomia pode apresentar um papel significativo para manter a relação adequada do homem com o trabalho e para abordar melhores condições à saúde dos trabalhadores. O objetivo deste estudo foi verificar as evidências disponíveis sobre os resultados de diferentes intervenções ergonômicas no sistema musculoesquelético de trabalhadores que exercem atividades na postura sentada. Tratou-se de uma revisão integrativa, utilizando as bases de dados eletrônicas LILACS, MEDLINE, PubMed, SciELO e CINAHL, com busca de artigos publicados no período de 2010 a 2019. Utilizaram-se os seguintes descritores: Trabalhadores OR Workers OR Trabajadores AND Dor OR Pain OR Dolor AND Postura Sentada OR Sitting Position OR Sedestación AND Ergonomia OR Ergonomics OR Ergonomía. Foram encontrados 183 artigos, sendo 14 selecionados. A análise qualitativa organizou os artigos de acordo com autor, ano, amostra/população, objetivo, instrumento de análise, intervenção e tipo de intervenção: associação de programas de exercícios físicos e orientações posturais e ergonômicas; diferentes formas de orientação e instrumentos facilitadores; e configuração do mobiliário e utilização de dispositivos auxiliares. A análise quantitativa da qualidade dos estudos considerou a escala Physiotherapy Evidence Database, baseado na lista Delphi. As intervenções contribuíram para melhorar as condições físicas e as tarefas executadas, tornando-as mais apropriadas para os trabalhadores.

 

Palavras-chave: saúde do trabalhador; dor; postura sentada; ergonomia.

Biblioteca Eletrônica Científica On-line (SciELO) e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), no período de 2010 a 2019.

Os descritores usados estavam em português, inglês e espanhol, dispostos às padronizações dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) com o auxílio dos indicadores booleanos (AND e OR): (“Trabalhadores” OR “Workers” OR “Trabajadores”) AND (“Dor” OR “Pain” OR “Dolor”) AND (“Postura Sentada” OR “Sitting Position” OR “Sedestación”) AND (“Ergonomia” OR “Ergonomics” OR “Ergonomía”).

Foram considerados como critérios de inclusão os artigos publicados entre os anos de 2010 e 2019, que incluíssem intervenções ergonômicas e tivessem como metodologia ensaios clínicos randomizados ou quase experimentais. Os critérios de exclusão foram artigos e demais trabalhos que não se encaixavam no tema proposto, artigos de revisão, artigos duplicados, livros, teses, dissertações e trabalhos de graduação.

A caracterização dos estudos relacionada à busca, seleção e análise dos artigos foi executada por um examinador, que realizou a busca nas bases de dados eletrônicas de maneira independente. Os estudos encontrados foram registrados, e os duplicados e os que não atenderam aos critérios de inclusão foram excluídos.

As fases percorridas para seleção dos artigos foram a leitura dos títulos, a leitura dos resumos e, em caso de concordância sobre os objetivos da revisão, a leitura na íntegra dos estudos. A análise dos dados foi realizada em abordagem quantitativa e qualitativa.

Para a análise quantitativa da qualidade metodológica dos artigos, foi utilizada a escala Physiotherapy Evidence Database (PEDro), baseada na lista Delphi14. A pontuação foi obtida por meio da análise de cada artigo, que avalia a validade interna e a interpretação estatística do estudo, contabilizando 10 pontos.

A lista de Delphi avalia a validade externa e o potencial de generalização ou aplicabilidade de um estudo clínico, mas esse critério não é contabilizado na pontuação final. A alta qualidade metodológica apresenta uma pontuação maior ou igual a sete. Como requisito para receber a pontuação, o estudo deve descrever os seguintes aspectos: origem da amostra e requisito para a seleção (item 1), alocação dos sujeitos aleatoriamente (item 2), alocação secreta (item 3), pareamento da amostra (item 4), cegamento dos sujeitos, terapeuta ou avaliador (itens 5, 6 e 7), resultado-chave mensurado em 85% da amostra em diferentes momentos no tempo (item 8), participantes receberam o tratamento ou a condição de controle (item 9) e comparações intergrupos (item 10). Os resultados das comparações estatísticas intergrupos foram descritos para pelo menos um resultado-chave14.

A pontuação dos estudos foi realizada por dois avaliadores independentes. Em caso de discordância, os estudos foram reavaliados em conjunto até que apresentassem consenso relativo à pontuação final.

A análise qualitativa seguiu as seguintes etapas: 1) organização dos artigos de acordo com autor, ano, amostra/população, objetivo, instrumento de análise, intervenção e desfecho; e 2) organização dos artigos de acordo com o tipo de intervenção ergonômica realizada. Nessa etapa, para fins didáticos, os estudos foram separados em categorias, dependendo do tipo de intervenção realizada e considerando as diversas opções de intervenções ergonômicas disponíveis.

 

RESULTADOS

A busca eletrônica nas bases de dados foi realizada no mês de janeiro de 2020. A princípio, foram identificados 183 artigos, sendo dois excluídos por duplicidade, mantendo-se 181 artigos analisados pelo título, resumo, critérios de inclusão e exclusão. Destes, 14 artigos foram selecionados, pois abordavam os critérios de inclusão e o tema proposto.

Na Tabela 1, verifica-se a qualidade metodológica dos ensaios clínicos e estudos quase experimentais analisados pela PEDro14. De acordo com os critérios classificatórios, observou-se que quatro estudos apresentaram alta qualidade metodológica com pontuação final de 815 e 916-18; os demais apresentaram pontuação inferior a 719-28.

 

 

 

Foram encontrados quatro estudos com qualidade metodológica alta, com 8 a 9 pontos15-18; dois artigos com pontuações regulares, com 6 pontos22,26; e oito artigos com pontuações mais baixas: três com 5 pontos23,24,27, três com 4 pontos20,21,28 e dois com 3 pontos19,25.

Em relação à caracterização dos estudos, foram identificados 1 estudo brasileiro e publicado em revista nacional19 e 13 estudos internacionais15-18,20-28. De todos os estudos selecionados, 1 era um ensaio clínico não controlado28; 7 eram estudos quase experimentais19,20-22,24,25,27; e 5, ensaios clínicos controlados e randomizados15-18,23.

Três estudos trabalharam com amostras acima de 100 trabalhadores15,16,27. Homens e mulheres estavam presentes na maioria das intervenções17,18,20,24-26,28; em outros, houve a participação apenas do sexo masculino16,21,27, e alguns não identificaram o sexo15,19,22,23.

Em relação ao tempo de intervenção, 2 estudos fizeram intervenções em um período de 6 meses26,28; 2, em períodos de 3 meses18,23; e o mais prolongado, em um período de 36 meses15.

Os instrumentos de avaliação analisaram dor ou desconforto15-18,22,24-28; fadiga16,24,26; incapacidade18,19,27; fatores de risco de postura, carga ou força, repetitividade e frequência da mudança de posição e esforço15,16,20,22,26; e avaliações subjetivas referentes à percepção do trabalho17,19,22-26. Ainda, foram encontradas avaliações baseadas em análise ergonômica19, medidas antropométricas20, marcadores para captura de movimentos20, eletromiografia de superfície17,21, movimento tridimensional ultrassônico21 e avaliação do nível de iluminação26.

Quanto às intervenções ergonômicas, os resultados foram apresentados em subdivisões, sendo a primeira a associação de programas de exercícios físicos e orientações posturais e ergonômicas19; a segunda, as diferentes formas de orientação e instrumentos facilitadores16,17,20,21; a terceira, a configuração do mobiliário15,18,22-24; e a quarta a utilização de dispositivos auxiliares que pudessem interferir na postura e na execução da tarefa25-28.

Os Quadros 1, 2, 3 e 4 apresentam os principais resultados de cada estudo, de acordo com autores, ano de publicação, amostra, desenho, objetivo, instrumentos de análise, intervenção e desfecho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Considerando os estudos incluídos nessa revisão, observou-se que diferentes intervenções ergonômicas mostraram resultados satisfatórios para os trabalhadores, tanto na postura como nos sintomas musculoesqueléticos15-28.

Foi encontrado apenas um estudo sobre práticas de exercícios físicos com trabalhadores que exerciam suas atividades laborais na postura sentada. No entanto, sua qualidade metodológica não foi relevante, apesar de essas práticas serem consideradas o padrão-ouro de intervenção. Esse estudo encontrou que, após o programa de exercícios físicos e as orientações posturais e ergonômicas, os trabalhadores relataram, em menos de 2 meses de tratamento, diminuição da dor e do desconforto musculoesquelético, mesmo não apresentando satisfação com o trabalho19. A satisfação no trabalho é um fator complexo e envolve os aspectos psicossociais, a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores29, devendo ser cuidada e profundamente avaliada.

Um estudo tem observado que a prática de ginástica laboral diariamente no local de trabalho pode melhorar o ganho de flexibilidade, reduzir os números de atestados médicos por lombalgia e dores30 e minimizar os relatos e a intensidade de dor musculoesquelética31. Pode-se inferir que a inserção de exercícios físicos com orientações de profissionais capacitados funciona como estímulo para que os trabalhadores possam adotar medidas adequadas dentro dos ambientes laborais, além de estimular a prática de forma diária. Outra questão relevante é que as empresas podem incentivar essas práticas com atividades em grupo ou individuais32, contribuindo ainda mais na melhora das questões físicas e na satisfação com o trabalho.

Dos quatro estudos que utilizaram diferentes formas de orientação e instrumentos facilitadores para segui-las16,17,20,21, dois apresentaram uma qualidade metodológica de alto nível com o uso de dispositivos eletrônicos de biofeedback, apresentando respostas positivas na diminuição dos sintomas musculoesqueléticos16,17 e na postura dos trabalhadores16.

A utilização de instrumentos, questionários, protocolos e sensores permite verificar a situação do trabalho e a repetitividade das funções e das posturas, ajudando a melhorar o ambiente laboral e as condições de trabalho33. Nessa mesma linha, um estudo que utilizou dispositivo com biofeedback em seis indivíduos durante um período de 5 horas foi capaz de evidenciar a contribuição na manutenção de uma boa postura durante as atividades laborais realizadas no computador34.

Referente às configurações dos mobiliários, a qualidade metodológica foi alta em apenas dois ensaios clínicos, controlados e randomizados15,18, sendo que os demais apresentaram pontuações abaixo de 722-24. Essas intervenções colaboraram para um local de trabalho mais flexível, confortável, produtivo e satisfatório15,18,22-24. Foi possível identificar redução da dor lombar dos trabalhadores após uso de estações de trabalho sentados23, após o uso de estações sit-stand18-24 e após ajustes e alterações dos móveis15, apontando melhora das questões posturais, diminuição das queixas musculoesqueléticas, melhoras das condições psicossociais e melhor disposição e interação dos trabalhadores dentro do ambiente laboral15,22-24.

Os estudos que utilizaram dispositivos auxiliares apresentaram qualidade metodológica abaixo de 7. A utilização dos dispositivos foi eficiente na redução dos desconfortos corporais, na melhora da postura e na diminuição dos sintomas musculoesqueléticos25,26. Um dos estudos que utilizaram intervenções com uso de lupas de aumento para melhorar a visibilidade dos trabalhadores identificou decréscimos significativos de desconfortos no pescoço, ombro, parte superior do braço, cotovelos, parte inferior do braço, região lombar e corpo inteiro após a intervenção e melhorias, ao longo do tempo, na amplitude de movimento cervical e na resistência muscular profunda do pescoço, embora fossem observadas deteriorações na postura frontal da cabeça e no sentido cinestésico cervical, sugerindo que o uso de lupas parece ter resultados positivos e negativos em relação ao bem-estar físico dos trabalhadores28.

As estações de trabalho deveriam ser adaptáveis para cada trabalhador35 para trazer maior eficiência e maior satisfação dos usuários ao utilizarem os sistemas36, e as intervenções ergonômicas podem contribuir para a aprendizagem dos trabalhadores na adequação de suas posturas durante suas atividades16 e na concentração do trabalho23.

A postura sentada é predominante em muitas atividades laborais, e sua permanência por tempo prolongado pode sobrecarregar as estruturas musculoesqueléticas e levar ao desenvolvimento de sintomas como dor e desconforto, uma vez que não existe uma determinada postura adequada a ser sustentada por muito tempo e o sentar deve ser uma situação dinâmica30.

Dessa maneira, as intervenções ergonômicas operam para alterar as situações no ambiente de trabalho, contribuem para melhorar as condições físicas e ajudam a melhorar as tarefas executadas, tornando-as mais apropriadas para os trabalhadores

Fonte: Revista Medicina do Trabalho