08/09/2023

Trabalho deve ser fator de risco avaliado no diagnóstico de câncer

Colocar a questão ocupacional na anamnese médica do paciente com câncer. Mudar o formulário de notificação, vendo o trabalho como um dos fatores de risco. Combater a subnotificação do câncer ocupacional.

Colocar a questão ocupacional na anamnese médica do paciente com câncer. Mudar o formulário de notificação, vendo o trabalho como um dos fatores de risco. Combater a subnotificação do câncer ocupacional. Esses foram alguns dos pontos levantados como necessários durante seminário da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO), realizado em formato on-line.

O evento, em comemoração ao jubileu da publicação, trouxe os autores do ensaio “Ocupação e câncer: um desafio perene”, que faz parte do Dossiê RBSO 50 anos – um olhar sobre o passado, o presente e o futuro da Saúde do Trabalhador. Victor Wünsch, diretor-presidente da Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), e Gisele Fernandes, pesquisadora no Grupo de Epidemiologia e Estatística em Câncer do Hospital A C Camargo, apresentaram os achados da pesquisa realizada e debateram a temática com os editores chefe e associado da RBSO, respectivamente, Eduardo Algranti e Ricardo Lorenzi.  

Estudos

Projeções baseadas em 2020 indicam que até 2040 haverá aumento de 65% de novos casos de câncer para América Latina, de 60% de casos novos para o Brasil e de 70% das mortes por câncer. “Característica multifatorial da doença dificulta o estudo de fatores causais específicos pois múltiplos agentes estão envolvidos no processo da carcinogênese”, aponta Fernandes. “Para implementar programas de vigilância em saúde do trabalhador, é necessário que se conheça as frações atribuíveis às exposições ocupacionais”, completa.

Os pesquisadores fizeram levantamento de publicações sobre exposição ocupacional e câncer no Brasil, na base PubMed, de 31 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2022. Dos 396 artigos encontrados, 14 foram elegíveis para a leitura na íntegra: oito estudos ecológicos, cinco de caso-controle e uma coorte.    

Os estudos, apesar das diferentes metodologias, apontam maior fração atribuível em relação aos homens. Também há predominância do câncer de pulmão e da exposição ao amianto, nos casos estudados.

Debate

“O tema do câncer ocupacional é atemporal e perene. Muitas exposições ocupacionais a agentes cancerígenos já foram identificadas com base no que temos, nas revisões da IARC [Agência Internacional para Pesquisa em Câncer]”, explica Victor Wünsch. Mais de 100 agentes foram classificados como Grupo 1 (cancerígenos para humanos), dos quais quase metade tem algum vínculo ocupacional.

“Amianto e benzeno são bem caracterizados como cancerígenos para humanos. Muitos países implementaram regulamentações bastante rígidas para controlar a exposição desses agentes no local de trabalho. No entanto, cabe assinalar que, em algumas regiões, particularmente as mais pobres do mundo, a exposição a esses agentes ainda é importante”, avalia Wünsch.

Para Algranti, o câncer ocupacional seria um tipo de câncer evitável. “O trabalhador exposto a um agente cancerígeno não tem controle sobre a exposição e, na maioria das vezes, não tem conhecimento de que está exposto a um agente cancerígeno”, destaca. Essa é a realidade de países em desenvolvimento, mas também ocorre em desenvolvidos.

Notificação

Lorenzi ressalta a série histórica do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) de 2007 a 2022, constatando crescimento dos casos de câncer relacionado ao trabalho, mas com visível subnotificação. Nesse período, houve 3768 casos notificados. Nos últimos cinco anos, notificaram-se 666 casos de câncer relacionado ao trabalho em 2022, 260 em 2021, 454 em 2020, 764 em 2019 e 390 em 2018.

“O sistema não está preparado. O trabalho não é levantado como fator de risco. Os grandes agentes têm que tentar mudar esse quadro, mudar formulário de notificação de câncer”, avalia Wünsch. A Fundação Oncocentro é responsável pela análise de dados, mas não costuma ter informação sobre trabalho. “São necessárias ações afirmativas para que fichas tenham dados de ocupação”, completa Algranti.

Para Gisele Fernandes, é preciso que a relação da saúde com a ocupação seja trabalhada desde a graduação. “Falta noção sobre os fatores de risco para estabelecer a causalidade da doença”, concorda Wünsch.

Para tentar mudar essa realidade, a Fundação Oncocentro fará reunião com notificadores e diretores clínicos de hospitais em abril de 2024, para inserir modificações na notificação do câncer. “Não é uma questão simples, você tem que reconstruir a história ocupacional do indivíduo. Muitas vezes foi exposto jovem, e câncer aparece na aposentadoria. Tentativa mais objetiva é ver qual ocupação foi maior na vida da pessoa”, explica Victor Wünsch.

Amianto

A questão do amianto foi tema de discussão em alguns momentos do evento. Atualmente a mina em Minaçu/GO continua funcionando, mas não para consumo interno. A produção é exportada. Essa questão do funcionamento ainda está sendo avaliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu o uso do asbesto em 2017 no Brasil.

Agrotóxicos

Outra questão debatida foi a carcinogênese dos agrotóxicos utilizados no Brasil. Alguns se encontram no Grupo 1 da IARC. Mas vale lembrar o risco mesmo daqueles classificados como Grupo 2 (provavelmente cancerígeno) e Grupo 2B (possivelmente cancerígeno). “Em epidemiologia, trabalhamos com modelos probabilísticos e associações com fatores de riscos, fazendo o devido controle de outros fatores que podem estar envolvidos naquela doença”, explica Wünsch.

Saiba mais

Assista ao Seminário RBSO 50 anos – Ocupação e Câncer: um desafio perene.

Fonte: Proteção+