A OIT recomendou que os países criem normas e legislações para combater os abusos que levam trabalhadores a se exporem ao calor excessivo.
Em meio a mais uma onda de calor extremo no Brasil, discute-se aqui e em outros países a necessidade de rever normas em um cenário em que os trabalhadores cada vez mais são obrigados a exercer suas atividades sob temperaturas acima do considerado seguro. Nos últimos 30 anos, o número de dias em que o Brasil registrou calor extremo passou de 7 para 52 por ano.
Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta que, até 2030, o mundo deve perder cerca de 2% do total de horas trabalhadas por causa das altas temperaturas.
De acordo com a entidade, o calor excessivo afeta produtividade e o trabalho digno em praticamente todos os países e setores da economia. No entanto, os riscos são maiores para as atividades ao ar livre e que envolvem esforço físico, como na agricultura, construção civil, transporte, serviços de reparo e emergência, turismo e esportes.
A agricultura e a construção civil são apontas pela OIT como as atividades especialmente mais arriscadas, pois há exposição contínua ao sol, o que aumenta não só o risco de haver desequilíbrio térmico, mas do desenvolvimento de doenças crônicas relacionadas à exposição constante, como câncer de pele e problemas renais.
Segundo a OIT, temperaturas de até 26° C são seguras e confortáveis para o trabalho ao ar livre. Acima disso, há redução da capacidade de trabalho e riscos de estresse por calor.
Mortes pelo calor
A Cool Coalition, entidade para resfriamento eficiente e ecológico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambientes, 5 milhões de pessoas morrem por ano mundialmente por consequências do calor extremo.
Os dados incluem trabalhadores que morreram em serviço por causa do calor. Por exemplo, em julho de 2023, na Itália, cinco trabalhadores da construção civil morreram em apenas uma semana pela exposição às altas temperaturas. Na época, os sindicatos reivindicaram que houvesse licença remunerada para o setor quando a temperatura ultrapassasse os 35° C.
Também no ano passado, trabalhadores da UPS – empresa equivalente aos Correios nos Estados Unidos – ameaçaram paralisar as atividades devido ao calor. Motoristas relataram que trabalham em caminhões sem ar-condicionado, que se transformam em fornos ao longo do dia.
Alguns chegaram a ser hospitalizados após um dia de entregas sob o calor extremo, com lesão renal grave e estresse por calor.
Aqueles que trabalham em ambientes fechados também sofrem riscos se a temperatura dentro desses locais não for adequadamente regulada, alerta a organização.
Um exemplo disso ocorreu no ano passado em Sorocaba, no interior de São Paulo, quando trabalhadores de uma fábrica passaram mal por causa da alta temperatura no ambiente de trabalho, que era um galpão com teto baixo e de zinco, sem refrigeração e com água quente para beber.
Queda na produtividade
A projeção feita pela OIT, de que o estresse por calor vai reduzir em 2,2% as horas de trabalho no mundo até 2030, pode parecer pouco, mas equivale ao rendimento de cerca de 80 milhões de trabalhadores em tempo integral.
A estimativa, além disso, é conservadora, pois leva em conta que o mundo conseguirá atingir a meta de não deixar a temperatura global aumentar mais de 1,5% até lá – meta que tem se tornado cada vez mais atingido considerando-se o ritmo das emissões dos gases de efeito estufa.
No Brasil, empresas da construção civil notaram uma queda no rendimento médio dos trabalhadores por causa do calor e do sol excessivo por longos períodos no passado. A situação é semelhante ao que sempre ocorreu durante as estações chuvosas, quando obras precisavam ser paralisadas.
Já no setor agrícola, a OIT estima que 60% das horas trabalhadas serão perdidas devido ao estresse por calor até 2030.
A organização aponta ainda que a informalidade e as condições de trabalho insalubre podem levar os trabalhadores a abandonarem a atividade agrícola.
Medidas de proteção
A OIT recomendou que os países criem normas e legislações para combater os abusos que levam trabalhadores a se exporem ao calor excessivo.
No Brasil, a legislação trabalhista prevê que os empregadores são responsáveis pelo bem-estar do trabalhador, incluindo o conforto térmico. Há também as Normas Regulamentadoras do Ministério Público do Trabalho que devem ser aplicadas de acordo com a atividade. Segundo o MPT, expor os trabalhadores ao calor extremo é uma violação da NR-24.
Até mesmo nos Estados Unidos, onde leis de proteção aos trabalhadores são menos comuns, começa-se a implementar medidas para evitar a exposição às altas temperaturas. O governo de Joe Biden recomendou que canteiros de obras e fazendas instalem alertas de perigo, além de aumentar a inspeção de segurança em relação ao calor nesses setores.
Já em 2019, em Phoenix, no Arizona, vários dias seguidos de calor extremo levaram que obras de infraestrutura fossem realizadas durante a noite para evitar o sol e as horas com temperaturas máximas.
Fonte: Revista Cipa