Olhar das empresas para a obesidade deve focar na promoção da saúde de todos os trabalhadores
Reportagem de Marla Cardoso
No começo deste ano, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, de Campinas/SP, condenou uma empresa prestadora de serviços domiciliares a indenizar um empregado que sofreu preconceito por parte da chefia e de seus colegas por ser obeso. No processo, o trabalhador afirmou que as chacotas começaram quando ele foi obrigado a utilizar um uniforme em tamanho menor ao que vestia. A vestimenta entregue foi no tamanho M e ele usava GG. Quando pediu a troca, foi exposto a situações constrangedoras e ameaçado que perderia o emprego caso não emagrecesse.
A situação vivida pelo trabalhador expõe uma realidade: as empresas não estão preparadas para lidar com o tema obesidade e trabalho. As que tentam, ainda lançam um olhar errôneo, focando apenas no emagrecimento, sem uma atenção ampla para a saúde, bem-estar e qualidade de vida dos indivíduos – incluindo os não obesos.
Diante do crescente cenário epidemiológico da obesidade no Brasil, o tema é desafiador, não só para a saúde pública, mas para a própria Saúde e Segurança do Trabalho. Conforme os entrevistados pela Proteção, é preciso reconhecer os impactos da doença na produtividade e absenteísmo e entender como fazer a gestão adequada de questões relacionadas à obesidade no ambiente laboral. O olhar deve considerar, não só a saúde física e mental, mas os processos de inclusão e combate à discriminação. Um desafio que não pode esperar!
Os números da obesidade são crescentes e configuram uma epidemia global. No Brasil, o cenário não é diferente. Dados do Atlas da Obesidade 2025 (World Obesity Atlas – https://is.gd/BN3Q9A), publicado pela Federação Mundial da Obesidade revelam que 31% dos brasileiros vivem com obesidade, e uma parcela ainda maior, 68%, tem excesso de peso, incluindo sobrepeso e obesidade.
Quando olhamos para o futuro, o Atlas Mundial estima um aumento significativo da obesidade até 2030: 33,4% entre homens e 46,2% entre mulheres. Os dados são mais elevados em relação à Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que apontou que 25% das pessoas com 18 anos ou mais estavam obesas, e 60,3% tinham excesso de peso.
O aumento da obesidade é preocupante pelo impacto na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. Considerada uma DCNT (Doença Crônica Não Transmissível) está diretamente associada a mortes prematuras decorrentes de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até câncer. Do ponto de vista do trabalho, a obesidade, particularmente nos graus II e III, está associada a uma redução do rendimento no trabalho e à dificuldade na realização de esforços físicos. Isso porque, segundo o médico do Trabalho, pesquisador médico do Centro de Inovação do SESI Ceará e sócio da clínica Cultive Saúde Relacional, Cláudio Patrício, o excesso de peso impõe uma sobrecarga significativa às articulações, especialmente coluna, quadril, joelhos e tornozelos, elevando o risco de desenvolvimento de distúrbios osteomusculares, como lombalgias crônicas e lesões por esforço repetitivo. Essa condição é particularmente crítica em funções que exigem movimentação de cargas ou a manutenção prolongada de uma mesma posição, por exemplo.
RISCOS
Além disso, segundo o médico, a obesidade é um fator de risco para uma série de transtornos cardiometabólicos, incluindo hipertensão arterial, resistência à insulina e dislipidemias – elevação dos níveis de gordura no sangue, como colesterol. “Essas alterações aumentam substancialmente o risco de desenvolvimento de patologias cardíacas, diabetes tipo 2 e AVC. Tais condições frequentemente demandam afastamento do trabalho para tratamento e podem resultar em limitações funcionais permanentes, impactando a capacidade laboral do indivíduo”, detalha.
Outra consequência relevante é a apneia obstrutiva do sono, causada pelo acúmulo de gordura na região cervical, que estreita as vias aéreas superiores. “Este distúrbio resulta em sono fragmentado e não reparador, levando à sonolência diurna excessiva, déficit de atenção e redução dos reflexos. Estes são fatores críticos para a Segurança Ocupacional, especialmente em funções que envolvem a operação de máquinas ou veículos, onde a vigilância e a capacidade de reação são essenciais”, alerta.
De acordo com Patrício, o comprometimento respiratório também é uma preocupação. O aumento da adiposidade torácica e abdominal reduz a complacência pulmonar e dificulta a ventilação adequada. “Trabalhadores com obesidade podem, assim, estar mais suscetíveis à dispneia aos esforços e fadiga precoce, particularmente em atividades que demandam resistência física”, explica.
REFLEXOS
Como consequências diretas da obesidade e de suas comorbidades estão o absenteísmo, ou seja, a ausência do trabalho, e o presenteísmo, que se refere à presença física no local de trabalho com desempenho diminuído devido a problemas de saúde. Para as empresas, segundo o médico, o custo da obesidade é considerável e muitas vezes subestimado, estendendo-se para além do absenteísmo visível. Patrício afirma que embora as ausências no trabalho sejam quantificáveis, o presenteísmo representa uma carga econômica substancial e contínua, porém de difícil diagnóstico. “Este custo oculto, somado à redução da produtividade e aos gastos com saúde justifica investimentos proativos em Saúde Ocupacional e bem-estar. A falta de reconhecimento do presenteísmo pode levar a uma alocação inadequada de recursos para programas de saúde, resultando em perdas financeiras e de capital humano”, completa o médico.
Mesmo diante das reconhecidas consequências da obesidade e do aumento da prevalência da doença, o tema é esquecido pela Saúde e Segurança do Trabalho. Essa é a percepção do médico, mestre em Economia da Saúde, doutor em Medicina Preventiva (FMUSP), pesquisador e professor, Alberto Ogata, para quem, no Brasil, a temática é negligenciada. “Nos últimos tempos temos falado muito em riscos psicossociais, mas eles acometem no máximo 10% da população. Como um quadro muito mais comum como a obesidade é esquecido?”, reflete.
A ausência de um olhar mais atento para o tema, na opinião de Ogata, pode ser percebida nos exames periódico e admissional dos trabalhadores. “Em geral o médico pergunta para o trabalhador o peso e a altura. Ele não pesa. As pessoas tendem a aumentar a altura e diminuir o peso. Não pesar o trabalhador já demonstra uma desvalorização para este aspecto”, acredita.
Professor de cursos de especialização em Medicina do Trabalho, Ogata garante que o tema também não integra o currículo da formação do profissional. “Quando perguntamos sobre o assunto para médicos do Trabalho percebemos que são realizadas ações pontuais, palestras, distribuição de materiais, consulta com nutricionista, mas sabemos que para o obeso isso funciona pouco. Às vezes as pessoas se submetem à cirurgia bariátrica e nem depois a área de Saúde Ocupacional acompanha esse trabalhador”, afirma.
Fonte: Revista Proteção